KAI e SHUN

Impossível andar pelas ruas do Rio de Janeiro e não notar um cachorro e um cogumelo desenhados nas paredes, no meio de tanta troca de informação e propagandas na cidade, dois personagens se destacam na selva de pedra da intervenção urbana, pela simplicidade e quantidade, dos personagens espalhados. Dando a impressão que mil pessoas fazem aqueles dois desenhos, quando na verdade é o contrário, duas pessoas é que fizeram mais de mil desenhos.


Iremos conhecer hoje, os autores dos, dois personagens, que tornam a cidade mais alegre e divertida, que quebram o cinza e o branco vazio de uma paisagem sem cor, veremos também as origens desde a época de vandalismo, até os dias de hoje convertidos regenerados e salvos em Cristo, é lógico o graffiti.

O cachorro - Primeira relação com a tinta foi como pichador.

SHUN: Começou a xarpi em 1996, nunca tinha se ligado em xarpi antes disso (até porque era muito novo nessa época, tinha apenas 10 anos).
Um dia um colega chegou falando sobre xarpi, explicou o que era e como era, aí Shun de cara gostou, naquela mesma semana saiu rabiscando o bairro todo com giz de cera, e algumas semanas depois, junto com uns amigos, fizeram desorjets (aquele do frasco de desodorante com tinta, chamado também de cagador) e marcaram de invadir um colégio, era o colégio principal da área, todos os colegas e conhecidos dele estudavam lá e os principais pichadores do local tinham pichação nesse colégio. Eles foram num dia em que não houve aula, pularam o muro alto do colégio e parecia festa, rabiscaram tudo, quando eles estavam terminando a missão, apareceu o vigia, eles estavam em 3 (Shun, Bick e Punk), o Punk estava mais a frente e conseguiu ralar, Shun e Bick ficaram. Quando o vigia perguntou o que estavam fazendo, Shun pensou rápido e inventou que tinham entrado lá pra pegar mangas (tinha uma mangueira na parte detrás do colégio), o vigia duvidou, afinal não era época de manga, mas Shun falou que eles já estavam saindo, pois não haviam achado nenhuma manga no pé, eles pularam o muro e vazaram.
Falando com uma visão de pichador experiente, parece uma coisa boba, invadir um colégio pra pichar, ainda mais com desorjet, mas imagina a cabeça de um garoto de 10 anos, pra ele, na época, foi o máximo, depois disso eles saíam direto pra xarpi, mas por ser muito novo (10 anos) só saía de dia e ficava apenas pelo seu bairro, até que aos poucos começamos a marcar saídas a noite e depois na madruga.
Depois de um tempo eles rodaram (ser pego) e deu muito problema, isso fez o Bick parar, passou um tempo e depois de outra rodada, o Punk parou, aí Shun começou a fechar com uma outra galera da sua área, que começou pouco depois dele, o ritmo estava bom, eles também saíam direto, até esse momento Shun e seus amigos não tinham a visão total da pichação, tudo era simples diversão, até que rodaram pra um quebrador da área, pra livrar os parceiros, Shun assumiu tudo, foi aí que sua mãe descobriu, os vizinhos também e o quebrador só não o matou por causa de conhecidos que eram amigos do cara e desenrolaram.

Parar é fácil, difícil é esquecer
Depois disso Shun deu um tempo, até que alguns anos depois a pichação começou a explodir na sua área, muita gente começando a rabiscar, uns antigos voltando, e Shun já com mais malicia e conhecimento do que era a pichação, não resistiu e voltou também. Fechou com essa galera que estava começando e depois de um tempo sua mãe descobriu que ele tinha voltado a xarpi, ela ficou revoltada e o mandou morar na casa de uma tia, essa tia era muito rígida, não deixava Shun sair de casa, a não ser para ir pra igreja com ela nos Domingos, fora isso era trancado o dia todo, todos os dias, dentro de casa.
Parecia que eles queriam fazer Shun passar vergonha, sofrer com a situação pra ver se ele não voltava mais a xarpi, toda vez que alguém ia visitar sua tia, ela fazia questão de mostrá-lo e falar que ele era pichador, criticá-lo, etc.. A intenção dela era ajudar, mas isso o deixou ainda mais revoltado.
Depois voltou pra sua casa, e continuou pichando.
Dentro dessa história tem um detalhe, desde pequeno sua mãe sempre o levou à igreja, e ele gostava muito de ir lá, tanto que mesmo fazendo todas as besteiras que ele fazia, todo Domingo ele estava lá, e ele não ia como um hipócrita que vai pra fazer pose de santo, ele realmente gostava de estar ali, por isso ele apenas ia, assistia o culto e ia embora, não se envolvia com nada lá dentro.

A conversão em Cristo
De 2000 a 2002 foram anos mais difíceis, Shun se envolveu com drogas e outras paradas ruins.
Até que entre Agosto e Setembro de 2002, Shun teve uma experiência fantástica com Deus que mudou radicalmente sua vida, onde ele decidiu viver de verdade para Deus.
Desde aquele dia, Shun parou com a pichação e comas drogas, os “amigos” se afastaram dele, e ele começou a viver o melhor da vida, experiências maravilhosas e fascinantes com Deus, seus olhos se abriram, seus sonhos ressuscitaram, ele viu que realmente era um morto, mas que agora, graças a Deus, tinha começado a viver de verdade. Isso não apenas pelas coisas que ele fazia, mas porque ele passou a sentir uma alegria de viver e a vida passou a ter um sentido muito grande depois que conheceu a Jesus, um sentido que antes não havia

O pichador vira grafiteiro.
Em 2003, Shun começou a graffitar, na época não era fácil como é hoje, não tinha lata gringa, tinha que usar colorgin do calhambeque, não tinha oficinas e grafiteiros como tem hoje, mas ele foi correndo atrás, ia pros lugares onde sabia que ia ter graffiti e ficava olhando e perguntando pros grafiteiros como fazia isso, como fazia aquilo. Até que foi pegando seu próprio traço e estilo.

Confiram uma entrevista com SHUN além do tradicional cachorro, tem vários outros trabalhos dele, e uma grata surpresa no final, o cachorro sendo feito em tempo real.

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No início disse que eram dois desenhos que estavam espalhados pela cidade, já vimos o cachorro, vamos então conhecer o COGUMELO

Início como pichador

KAI: Começou a pichar em 1997, por influência dos amigos mais velhos da escola. No início criou vários nomes até que em Agosto de 1997 criou o nome KAI.
No início pichou de giz de cera nas paredes do colégio, depois começou a usar nugget e desorjet, pichando sempre no mesmo muro, num lugar mais tranqüilo na comunidade, aos poucos foi vendo os mais antigos que saiam pras outras áreas, ficava ouvindo as histórias e gostando cada vez mais da pichação.
No ano 2000, Kai começou a freqüentar a reú de Bangu. Lá foi conhecendo outros pichadores e começou a se aprofundar mais na pichação, começou a conhecer e a pichar outras áreas, foi evoluindo a caligrafia do seu nome, que cada vez ficava mais maneira, começou a sair com outros pichadores e também saía muito sozinho, arrebentou sua área e aos poucos foi espalhando pelo Rio. Alguns anos depois ele se tornou uma referência no xarpi da sua área.

Cara à cara com a morte
Rodou algumas vezes, mas a pior foi em 2005 quando estava pichando uma casa perto do Villar Carioca, ele percebeu a presença de alguém, desceu rápido, montou na bicicleta e pedalou correndo. Conseguiu escapar por alguns minutos até que um carro veio correndo e o atropelou, logo saíram melicianos do carro, eles amarraram Kai no carro e saíram fazendo-o correr atrás do carro amarrado, por uns quinze minutos até chegarem em frente ao cemitério de Campo Grande, onde havia mais nove melicianos esperando por ele. Eles começaram a espancar Kai e colocar um terror psicológico dizendo que ele ia morrer, ia cavar a própria cova, etc... Ficaram batendo nele por uns vinte minutos até que o dono da casa pichada chegou e desenrolou pedindo que o soltassem, os milicianos deixaram ele ir, ele foi embora vivo porém todo machucado. “Foi Deus que me livrou”, pensou Kai.
Depois disso ele continuou pichando, às vezes era pego, mas nada com tanta violência, logo era liberado. Começou a fechar com os caras mais antigos, a galera da G-80 e deu mais uma arrebentada no Rio.

Vídeo com KAI em ação no RJTV

Quando os caminhos se encontraram
"Não tem como falar de um sem mencionar o outro, eu mesmo quando vi pela primeira vez os personagens, achei que fossem uma mesma pessoa que fizesse ambos os desenhos. Depois que vi que era uma dupla."

Em 2005, Shun e Kai se conheceram num colégio que Shun foi dar aula.
Mas acabou que Shun só foi uma vez e não quis mais dar aula lá.
Nesse mesmo ano, Shun queria criar um personagem pra começar a espalhar, algo que desse pra fazer rápido e colocar uma mensagem direta, um dia ele viu uma animação em 3D de uma vaca, achou maneira, e, não perguntem como, ele teve a idéia de fazer um cachorro rsrsrs.. Fez, gostou, depois lembrou do seu cachorro Half, era um Cocker que ele teve e que tinha morrido recentemente, ele pegou aquele cachorro que tinha criado e colocou as características do seu cachorro, Half. Colocou as orelhas grandes, o tupete arrepiado, foi ajeitando aqui ali, e enfim criou o cachorrinho que faz hoje.

Em 2007, Shun estava voltando de um role na av. Brasil, quando encontrou o Kai de moto com um amigo no portão de sua casa, ele falou que queria parar de xarpi e começar a graffitar, perguntou se Shun podia ajudá-lo, Shun aceitou e daí começou uma grande parceria na cena urbana e uma grande amizade.



Graffiti com alma de xarpi

A partir desse momento Shun começou a dar outro sentido ao seu cachorro, percebeu que podia ser um caminho pra galera que queria parar de pichar, pois os seus amigos que pichavam reclamavam que queriam fazer graffiti e parar com a pichação, porque estava ficando muito arriscado e tudo mais, mas diziam que o graffiti era caro porque precisava de muita tinta e que era difícil de ser feito, então Shun pensou em criar um estilo novo de graffiti, onde gastasse pouca tinta e fosse fácil de fazer, daí surgiu o “persona” ou os “persona’s”, um estilo novo de graffiti onde consiste em fazer o graffiti (desenho) no estilo de pichação, espalhado, no alto, em sequências, etc..
O Kai criou um gato e começou a espalhar também, depois de um tempo ele decidiu criar outro persona, algo que causasse mais impacto e fosse diferente, foi aí que vendo uma capa de CD ele reparou um cogumelo e teve a idéia de fazer um persona assim, foi mexendo aqui mudando ali, até criar o seu próprio persona, o seu cogumelo. Daí pra frente ele e Shun fecharam uma parceria e saíram grafitando vários lugares do Rio de Janeiro.

KAI se converte
Vale à pena destacar uma parada, em 2009 numa programação de jovens de uma igreja em Santíssimo, Kai se converte. Deus toca em seu coração e ele vai à frente chorando, reconhecendo Jesus como o Salvador da sua vida.

Dupla começa a conquistar seguidores

Menssagens positiva, marca registrada da dupla

De repente começaram a surgir outros personagens, pichadores os procuravam querendo trocar a pichação pelos persona’s, a princípio jovens da zona Oeste, depois alguns da Baixada, e por aí foi. Algo que também vale à pena ser destacado, foi que algumas frases que Shun escrevia estavam sendo repetidas pela galera que estava fazendo persona e que alguns pichadores também estavam colocando, Shun escrevia muito: JESUS VIVE, JESUS TE AMA, CONFIE EM JESUS,etc.. Aos poucos ele foi percebendo que muitos estavam escrevendo também e muitos deles nem eram cristãos, mas escreviam assim mesmo, ele viu alguns picos da zona Oeste com pichações e com essas frases também, aí percebeu que o objetivo estava sendo alcançado, a mensagem tinha sido passada e estava se multiplicando.
A princípio era Shun que escrevia as frases falando de Deus, mas pouco tempo depois de começar a fazer o cogumelo, Kai também começou a fazer frases de impacto falando de Deus e do Seu amor, e além desse progresso no seu relacionamento com Deus, ele foi se aprimorando ainda mais no graffiti, não parou apenas nos personas, mas começou a fazer painéis com letras e personagens mais trabalhados.

Muita gente acha que a dupla Shun e Kai só faz os personas, o que não é verdade, ambos fazem todos os tipos de desenhos, têm estilos próprios de traçado, de letras, de personagens, etc... Shun dá aulas de graffiti e ilustração, fez trabalhos para grandes empresas e personalidades do meio artístico, e hoje divulga seus trabalhos em seu site. Kai também realizou e realiza trabalhos para personalidades e empresas.

Ninguém é melhor do que ninguém

É bom destacar uma coisa, embora a intenção deles fosse abrir um caminho pra galera que queria parar com o xarpi, em nenhum momento eles consideraram o graffiti melhor que a pichação ou vice-versa, até porque, mesmo eles estando livres do vício da tinta, sempre viram a pichação como uma manifestação artística, uma cultura com linguagem e caligrafia própria, uma tribo forte. Mas apesar disso eles acham que não vale à pena perder a vida por causa de um nome, por isso a intenção é abrir um caminho pra ajudar quem quer parar, como até hoje tem ajudado a muitos.

Depoimento do Shun: Sei que muita gente vai dizer que são poucos que morrem pichando, mas na verdade são muitos, quando se fala em grandes nomes que morreram pichando agente lembra logo Seif, Caixa, Vuca, Soat e vários outros que agora não me recordo, mas as pessoas se esquecem que o xarpi é uma porta pra um submundo marginal além da tinta, quantos viciados começaram a se drogar através do xarpi? E quantos começaram a roubar através do xarpi? Quantos largaram os estudos por causa do xarpi? A morte pelo xarpi começa quando o cara deixa o vício da tinta tomar o controle da sua vida, a morte do corpo é só uma conseqüência da morte da identidade da pessoa.
Por isso, apesar de eu gostar de xarpi, eu não faço mais e fico feliz quando alguém pára. Prefiro que os caras parem de xarpi do que morram pichando
E vou ser sincero, os persona’s são apenas um caminho, mas o real caminho não só pra sair do xarpi, mas pra sair da morte e vim pra vida é JESUS CRISTO, esse é o único caminho para a salvação da alma, para a verdadeira felicidade, para uma vida onde você não é escravo de prazeres, mas você é verdadeiramente livre para desfrutar de todas as coisas boas que Deus criou pra gente nessa Terra e no Céu.

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